Foto: Nasha Ila
Situação de estiagem extrema afeta agricultura, indústria e comércio de importantes economias globais como EUA, Europa, China e Índia. Veja comparações de ANTES e DEPOIS que mostram a gravidade da situação e entenda as possíveis causas.
Mapa mostra temperaturas recordes em alguns países no verão de 2022 no Hemisfério Norte — Foto: g1
A Europa enfrenta sua pior seca em pelo menos 500 anos, com dois terços do continente em estado de alerta. Os EUA tem reservatórios em baixa e o abastecimento de água dos moradores pode ficar comprometido. Na China, uma onda de calor recorde tem levado a racionamento de energia e fechamento de indústrias.
Tudo ao mesmo tempo, agora: o Hemisfério Norte tem imensas áreas afetadas por calor e estiagem incomuns.
Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que, embora fenômenos climáticos extremos também possam surgir de ciclos naturais na Terra, não é uma surpresa que esses eventos estejam acontecendo com uma maior intensidade, como resultado das mudanças climáticas induzidas pelo homem.
Nesta reportagem você vai ver os efeitos do calor e baixa umidade nas regiões mais afetadas no norte do planeta:
- Europa
- América do Norte
- Ásia
- África
E ainda:
- Quais as causas dessas secas devastadoras
- O que implica para o Brasil
Europa
Relatório de agosto do Observatório Europeu da Seca indica que 47% da Europa está em condições de alerta, com claro déficit de umidade do solo, e 17% em estado de alerta, em que a vegetação é afetada pela falta de umidade.
A seca reduz o nível de alguns dos rios mais importantes do continente, como o rio Danúbio, prejudicando a logística de produtos por via fluvial, que torna o transporte mais caro e aumenta os preços em geral, principalmente das commodities.
Rio Danúbio
O rio Reno, na Alemanha, está em níveis comprometedores para o escoamento da produção do centro da Europa para o porto de Roterdã. Segundo economistas, a interrupção pode reduzir em até 0,5 ponto percentual o PIB da Alemanha no ano.
Rio Reno
Em Kaub, próximo a Frankfurt, a seca do Reno faz com que as barcaças de transporte de cargas trafeguem com apenas um quarto da carga.
As dificuldades de transporte geram falta de matéria-prima. A gigante da indústria química Basf, por exemplo afirma que pode ser obrigada a reduzir sua produção em breve.
A dificuldade de transporte também encarece a energia da Europa, onde grande parte do carvão usado nas usinas é transportado em barcaças pelos rios do continente.
Ainda que seja minoritária, a seca reduz o potencial de geração de energia hidrelétrica do Velho Continente e agrava a dependência de outros combustíveis fósseis.
Mapa mostra efeito da seca na Europa — Foto: g1
Rio Pó
O rio Pó, que cruza o norte da Itália e deságua no mar Adriático, também sofre do mesmo problema, o que traz impacto ao fluxo da produção agrícola do país.
Foi no rio Pó, inclusive, que surgiu uma das histórias mais inusitadas da seca histórica na Europa. Onde antes passava o curso d’água foi encontrada uma bomba não detonada da Segunda Guerra Mundial.
França
Na França, os agentes reguladores flexibilizaram as regras sobre a temperatura em que a água usada para refrigerar as usinas nucleares pode ser devolvida ao meio ambiente.
Não bastasse o aumento do custo do transporte e da produção, a falta de água compromete a safra dos produtos agrícolas em si, da irrigação na zona rural pelo estresse da seca intensa à maior ocorrência de grandes incêndios.
A produção de milho francesa tinha apenas metade da safra em “condições boas ou excelentes” no início de agosto, segundo a associação FranceAgriMer. O país também tem sua produção relevante de trigo afetada, que já sofria com altas por conta da falta de fornecimento da Ucrânia durante a guerra.
E nem os produtos mais nobres da agricultura europeia escapam. Produtores de vinho da França, Espanha e Itália registraram perdas de safra. As uvas próprias para a produção da bebida precisam de amplitude térmica — ou seja, dias quentes e noites frias. O calor está garantido, mas o resfriamento necessário não vem.
América do Norte
O oeste dos Estados Unidos e o norte do México estão passando por seu período mais seco em 1,2 mil anos, segundo um estudo da publicação científica Nature Climate Change.
As regiões de Yuma, no Arizona, e do Vale Imperial, na Califórnia, produzem mais de 90% dos vegetais folhosos dos EUA nos meses de inverno.
A estiagem deve afetar a agricultura principalmente no estado da Califórnia, e elevar ainda mais os preços dos alimentos. Estudo da Universidade da Califórnia Merced mostrou que o prejuízo da seca à indústria agrícola do estado já chegou a US$ 1,2 bilhão e custou cerca de 10 mil empregos em 2021.
Mapa mostra as consequências da seca de 2022 na América do Norte — Foto: Arte g1
O Arizona também é um grande produtor de trigo, que é exportado para a Itália. Mas a água usada nessas produções vem do Rio Colorado, que está secando – fazendo subir os preços de alimentos subirem.
A expectativa também é de que 40% da safra de algodão dos EUA seja perdida.
Lago Powell
O lago Powell, segundo maior reservatório do país, formado após a construção da barragem de Glen Canyon, também está com o nível da água baixo, prejudicando o abastecimento para milhões de pessoas.
Lago Mead
O lago Mead, maior reservatório de água dos EUA após a construção da barragem de Hoover no rio Colorado, registra encolhimento a um ritmo acelerado, com apenas um quarto de sua capacidade, o que põe em risco o abastecimento de água para 25 milhões de pessoas.
Ásia
A China vive a onda de calor mais intensa de sua história recente, segundo o monitoramento do Centro Climático de Pequim. O fenômeno começou no dia 13 de junho, ou seja, já são mais de dois meses de calor "anormal" para o gigante asiático.
Rio Yangtze
Com a seca decorrente, várias províncias da China determinaram o racionamento de energia. A medida trouxe impactos para o funcionamento do setor industrial.
Na província de Sichuan, que representa 5% da economia da China, houve racionamento de energia para residências, escritórios, shopping centers e o fechamento de fábricas. A Volkswagen interrompeu sua produção, assim como a Foxconn.
Mapa mostra efeitos da seca na Ásia — Foto: g1
As indústrias da região precisaram permanecer fechadas até 25 de agosto. Toda a produção de alumínio foi interrompida.
Na região sudoeste de Chongqing, os moradores sofreram com corte de água e energia. As pessoas estão precisando se deslocar por 10 quilômetros para conseguir carregar um telefone celular.
Em Jiangsu, também houve o fechamento de fábricas.
A seca do rio Mekong, no Vietnã, vizinho da China, leva a cortes de energia, conforme a água é racionada para uso na lavoura e abastecimento da população.
África
A pior seca no Chifre da África em mais de 40 anos pode se prolongar até dezembro, segundo previsões da Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês).
De acordo com a organização, essa região está entrando na quinta temporada de poucas chuvas consecutiva, e Etiópia, Quênia e Somália estão a beira de uma catástrofe humanitária sem precedentes.
Entre 2010 e 2012, cerca de 250 mil pessoas morreram de fome na Somália, metade delas crianças.
A seca deste ano coincidiu com um aumento global nos preços de alimentos e combustíveis, impulsionado pela guerra na Ucrânia, que atingiu mais duramente partes da África.
Mapa mostra efeitos da seca na África — Foto: g1
Quais as causas dessa seca intensa?
Apesar de serem uma causa importante, as mudanças do clima são apenas um dos fatores em jogo nessa crise. O cientista climático Richard Seager, do centro de pesquisa Lamont Doherty Earth Observatory da
Universidade Columbia, nos EUA, explica que temos um La Niña em curso.
Durante a época do La Niña, há um resfriamento das águas do Oceano Pacífico, uma mudança na circulação do ar atmosférico e a distribuição de chuvas muda.
Além disso, os impactos dos ventos do Saara provavelmente são a principal causa da onda de calor da Europa. Foi justamente um sistema de alta pressão atmosférica bastante intenso que diminuiu as chances de chuva e a umidade do ar.
Onda de calor na Europa: impactos de ventos do Saara — Foto: g1
A seca no Hemisfério Norte afeta o Brasil?
Para André Kitahara, gestor de portfólio da AZ Quest, é difícil mensurar impactos da crise climática do Hemisfério Norte para o Brasil.
“Como somos produtores de grãos, um impacto de safra internacional pode até beneficiar o Brasil pela atividade e pelo câmbio, que costuma se apreciar”, diz.
No caso específico do trigo, que é uma commodity que o Brasil importa, apesar de quebras de safra na Europa, o impacto da seca não é grande até o momento a ponto de impactar preços no Brasil, afirma Élcio Bento, analista da consultoria Safras & Mercado.
O Brasil não compra trigo da Europa, mas, claro que um agravamento da seca no continente pode impactar sim os preços internacionais. Já a maior produtora de trigo, que é a Rússia, está com uma projeção de supersafra para 2022, em 88 milhões de toneladas. Junto com a Ucrânia e Cazaquistão, são 135 milhões de toneladas, alta de 1 milhão em relação ao ano passado.
“Neste ano, a gente tem uma curva descendente de preços do trigo no Brasil [após a alta que ocorreu durante o início da guerra na Ucrânia]. Os preços subiram muito e, a partir de agora, as cotações estão caindo. Em se confirmando uma safra recorde que a gente deve ter no, Brasil, de 10,5 milhões de toneladas, a gente vai ter trigo mais barato neste segundo semestre. Então, eu não vejo que essa situação externa toda seja suficiente para trazer impactos para o Brasil”, diz Bento, do Safras.
“O principal ponto de atenção é a China, que também tem uma matriz energética muito hidrográfica e pode sofrer mais um abalo à economia”, aponta Kitahara.
*Essa reportagem contou com a colaboração de: Anaísa Catucci, Elcio Horiuchi (infográficos), Luiz Gerbelli, Marta Cavallini, Paula Salati, Raphael Martins, Roberto Peixoto, Sávio Ladeira e Vivian Souza.
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