Não dá para mudar o tom da prosa. A visita de Temer à Noruega, o pito que ganhamos do país que sediou, de 1984 a 1987, a primeira Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da qual resultou o famoso Relatório Brundtland, ou “Nosso Futuro Comum”. “Vocês estão desmatando demais”, disse a primeira-ministra Erna Solberg a Temer na sexta-feira (23). Foi vaga, sem conteúdo, a resposta do nosso ministro do meio ambiente, José Sarney Filho. Talvez para não desanimar demais os cidadãos brasileiros preocupados com questões ambientais, disse que o desmatamento vai baixar. E que, quando baixar, o dinheiro norueguês voltará aos cofres brasileiros. Não disse como isso vai acontecer.
A sociedade civil, porém, preparou uma réplica bem mais substancial à questão, muito menos otimista, um manifesto de cobrança. Cerca de 130 movimentos sociais, organizações e entidades ambientalistas, indígenas, de direitos humanos e do campo se uniram e criaram o movimento “Resista” para tentar fortalecer o debate e, sobretudo, chamar atenção dos cidadãos para o que chamam de “desmonte da legislação ambiental”. O desmantelamento virá, segundo a carta escrita a várias mãos e endereçada ao governo federal, sob a forma do Projeto de Lei nº 3.729/2004 de autoria de Luciano Zica – PT/SP , Walter Pinheiro – PT/BA , Zezéu Ribeiro – PT/BA e outros), que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados e trata da flexibilização das regras do licenciamento ambiental.
Na semana passada, antes de viajar, Michel Temer usou as redes sociais para responder à modelo Gisele Bündchen e passar uma imagem de preocupação com o meio ambiente. Disse que vetaria MPs que tentam desproteger áreas da Floresta Amazônica. Mas, na realidade, o que está por vir é bem pior, segundo os ambientalistas que assinam a carta do “Resista”.
“Às tentativas de aniquilação das políticas de reforma agrária e do uso social da terra, contidas na Medida Provisória (MP) 759, somam-se iniciativas de extinção de Unidades de Conservação, a facilitação e legalização da grilagem de terras e os ataques contra direitos e territórios indígenas. Em conjunto, tais investidas buscam disponibilizar estoques de terras para exploração desenfreada e também para serem negociadas através do projeto que libera a venda de terras para estrangeiros”, diz a carta, que pode ser lida aqui.
No site da Fase, uma das organizações que assinam a carta-manifesto, está a explicação sobre como vai ser a dinâmica do movimento:
“Com atuação nacional e capilaridade em todas as regiões, o grupo atuará em frentes parlamentares, jurídicas e de engajamento social, e não poupará esforços para impedir que o governo e os ruralistas façam o Brasil retroceder décadas em termos de preservação ambiental e de direitos humanos”.
Sim, porque como todos sabemos, a questão não é só a preservação de rios, matas, oceanos, mares, fauna para tentar evitar secas, tempestades e tufões. Os direitos humanos, especialmente de indígenas, trabalhadores rurais, povos que vivem da floresta, estão sendo ameaçados a cada corte de verbas no orçamento do Ministério do Meio Ambiente, a cada movimento que não é feito para cuidar de quem mais cuida do meio ambiente, até por depender diretamente de seus recursos para viver.
“Com o crescimento de desmatamento, 2016 registrou dois tristes recordes: o número de mortes no campo e a quantidade de conflitos por terra. Isso sem contar as barbáries mais recentes, como o brutal ataque ao povo indígena Gamela, no Maranhão, e a chacina de trabalhadores rurais em Colniza, no Mato Grosso. Situações como essas podem ser apenas a ponta de um terrível iceberg”, diz a reportagem no site da Fase, organização criada em 1961, que atua em seis estados brasileiros e sempre se comprometeu com o desenvolvimento local, comunitário e associativo.
Focando mais estritamente o meio ambiente, o Greenpeace é um dos que encabeça o movimento “Resista”. No site da organização, o alerta é para a expansão da fronteira para o agronegócio, mineração, projetos de geração de energia e para outras obras de infraestrutura. Tudo isso com uma visão de que legislação ambiental é um “gargalo” , a impedir o desenvolvimento.
“As MPs 756 e 758, por exemplo, reduzem áreas de proteção na Amazônia, enquanto a MP 759 beneficia a grilagem de terras, elimina o conceito de uso social da terra e extingue a reforma agrária. Outras medidas que liberam a venda de terras para estrangeiros e autorizam o uso indiscriminado de agrotóxicos já foram anunciadas por integrantes do governo. Fica claro que a aprovação de medidas propostas pela bancada ruralista resultará em maior concentração fundiária, inviabilidade econômica de pequenos produtores rurais, beneficiamento da grilagem de terras públicas e mercantilização dos assentamentos rurais e da reforma agrária, além de afastar o Brasil do cumprimento de compromissos internacionais assumidos em convenções sobre clima e sobre biodiversidade.”, diz o texto no site do Greenpeace, anunciando a resistência da sociedade civil.
Aqui eu me permito uma reflexão. No evento convocado pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas dia 5 de junho houve uma roda de conversa com meus colegas jornalistas em que se debateu sobre o papel da mídia. Devemos, nós que escrevemos sobre questões ambientais, abraçar a causa a ponto de virarmos militantes? Não há conclusões óbvias sobre isso, mas é fato que nosso dever primeiro é informar.
Volto, portanto, ao pito da Noruega no Brasil e busco em arquivos o texto “Nosso Futuro Comum”, concluído no país em 1987 sob a orientação da primeira-ministra de então, Gro Brundtland. É possível acessá-lo aqui, em português. Lê-lo dará ao leitor a chance de fazer contato com a política socioambiental e econômica que aquele país defende há três décadas. Teorias sólidas sobre crescimento e preservação, sobre desigualdade social, sobre pobreza, sobre as maiores vítimas do descaso ambiental, já estavam na mesa de debates há três décadas. A necessidade de manter as florestas em pé para ajudar o mundo a não extinguir seus bens naturais é, portanto, uma certeza que vem de longe.
O sistema econômico acabava de ser abalado pela crise dos anos 80, e era preciso pensar num outro modelo de crescimento.
“Muitas das estratégias de desenvolvimento adotadas pelas nações industrializadas são, evidentemente, insustentáveis”, diz o texto de abertura do “Nosso Futuro Comum”. É o que o pessoal do “Resista” está tentando dizer, em alto e bom som, 30 anos depois. E é meu papel informar.
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