Embora praticamente todas as pessoas que viviam nas comunidades atingidas tenham sido reassentadas em Mariana, a insatisfação com as novas moradias era nítida. Alocadas em bairros diferentes e distantes entre si, como Barro Preto, Chácara, Colina, São Gonçalo e Vila Maquiné, muitas dessas pessoas foram separadas de seus familiares e amigos, com quem tinham frequente contato.
“Eles estão hoje amparados tecnicamente. Mas se você vai nas casas, é a mesma cor do armário, mesma televisão; nenhuma foto, nenhum quadro, nenhuma lembrança. É uma casa que parece uma loja. Eles perderam tudo. Eles eram pessoas que nem gostavam de vir passear em Mariana. Tinham as atividades tanto culturais, quanto festivas e de lazer lá (em Bento Rodrigues): andar a cavalo, ir para a cachoeira, ficar no Bar da Sandra, fazer festinha na casa de amigos. Eles gostavam de ficar lá”, conta a professora de História Silvany Diniz, que desde 2002 dava aula nas escolas municipais de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo.
Silvany continua lecionando aos alunos atingidos, agora em uma escola na área urbana de Mariana. Ela fala que as vítimas enfrentaram grandes dificuldades de adaptação. Segundo ela, eles se sentem muito sozinhos. As crianças, que costumavam se reunir após as aulas para brincar na pracinha da comunidade – às vezes até o anoitecer –, agora vão direto da escola para casa. “O índice de ingestão de bebida alcoólica entre os jovens aumentou”, relata a professora, que também testemunha o aumento da depressão. “Tenho alunos tomando antidepressivo.”
Os habitantes de Mariana que conviviam com os moradores de Bento Rodrigues relatam que não havia pobreza na comunidade. As casas, embora simples, eram aconchegantes, cercadas de árvores e flores. As crianças tinham seus próprios cavalos e gostavam de passear, brincar na pracinha e no campo de futebol. “Eles não eram miseráveis, mas pessoas batalhadoras, do campo”, relatou Juçara Brittes, professora de Jornalismo do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que convive com os atingidos. “Há várias realidades sobrepostas nos distritos e em Mariana”, diz a professora.
Também não tem sido fácil para os idosos de Bento Rodrigues se adaptarem à vida em Mariana. Muitos não conseguem se habituar ao barulho e à movimentação da cidade; outros vivem isolados, longe de seus antigos vizinhos e amigos, sem espaço para cultivar hortas ou realizar quaisquer atividades costumeiras do tempo em que viviam na comunidade. “Tem uma senhora que está no terceiro andar. Ela nunca mais desceu. Ela tem 90 anos e agora não quer mais sair de casa, está deprimida”, conta a professora Juçara. “Vivemos um conflito muito grave. Eu também sou uma atingida da barragem, porque todo o povo brasileiro foi atingido”, desabafa.
Segundo o professor Frederico Tavares, há inúmeras pessoas com traumas psicológicos na cidade. Um caso de suicídio na cidade de Barra Longa, onde metade das casas ficou soterrada pela lama, foi registrado nesse período. Dentro da Universidade, as opiniões também são conflituosas.
Há posturas mais críticas, outras mais alinhadas com a empresa Samarco e há também os que se omitem. Muitos professores e pesquisadores da UFOP, por exemplo, prestavam serviço ao setor de mineração com consultorias técnicas nas áreas de engenharia, controle de qualidade e segurança. A Universidade, portanto, também está dividida. Não há um posicionamento único e oficial. “É também uma característica da cidade, um certo medo. No começo muita gente não queria nem falar. A cidade entrou em conflito e ainda está sob os efeitos da tragédia”, diz Tavares.
Fora do ambiente universitário ou das comunidades atingidas, também há pontos de vista diferentes. De acordo com Tavares, muitos moradores se mudaram da cidade. “Fica no imaginário o risco de acontecer novamente com uma chuva muito forte. É uma visão assustadora.” Segundo ele e diversos outros entrevistados, o fantasma do rompimento da barragem sempre existiu. Ou seja, havia um conhecimento prévio da probabilidade de um acidente, o que ninguém sabia era da dimensão que poderia adquirir o rompimento. Também havia uma certa expectativa de que haveria um aviso, sirene ou medidas de segurança preventivas.
Nesse ponto, é possível dizer que foi uma tragédia anunciada, com conivência de todas as partes: da principal responsável pelos riscos e segurança (Samarco), da principal responsável pela fiscalização (Prefeitura e todos os órgãos governamentais responsáveis) e, por último, da própria população que confiou nos responsáveis e aceitou conviver com um fantasma.
Recomeço
As famílias desabrigadas hoje sonham com a reconstrução de suas comunidades, ação prevista no acordo estabelecido entre a Samarco, suas acionistas, Vale e BHP Billiton, e os governos Federal e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, homologado em 5 de maio de 2016. Além da reconstrução dos distritos atingidos pela lama, com prazo para a entrega das obras até 2019, o acordo prevê uma série de ações concentradas em dois eixos: socioambiental e socioeconômico, contemplando ações compensatórias, com disponibilização de recursos financeiros para obras emergenciais nos municípios afetados, pagamento de multas, ressarcimentos e indenizações aos desabrigados.
Seis meses depois do rompimento, no dia 7 de maio de 2016, os representantes das 226 famílias que viviam em Bento Rodrigues foram às urnas para escolher o local onde a comunidade será reconstruída. Foram realizadas 37 reuniões entre a Samarco e os ex-moradores do subdistrito, além de duas assembleias gerais e duas visitas aos terrenos pré-selecionados: Bicas, Carabina e Lavoura. Com 92% dos votos, Lavoura foi o local escolhido para receber o novo Bento Rodrigues.
Com uma área de 350 hectares, boa oferta hídrica e solo de qualidade para o plantio e criação de animais, Lavoura parece atender às principais exigências dos atingidos, sobretudo no que diz respeito à proximidade do antigo subdistrito: 9 quilômetros. Localizada na rota da Estrada Real, a cerca de 8 quilômetros de Mariana, Lavoura apresenta também facilidade de acesso ao transporte público.
Cumprindo as exigências do Ministério Público de Minas Gerais, a Samarco prometeu realizar estudos técnicos de viabilidade da área para a construção do novo Bento. O projeto urbanístico do local será definido em conjunto com os futuros moradores:
onde serão construídas as casas e os espaços comuns – praças, escolas, áreas de lazer, postos de saúde e templos religiosos. A empresa tem até 2019 para finalizar as obras.
Além de Bento Rodrigues, outras duas comunidades serão reconstruídas em locais a serem definidos pelas famílias desabrigadas – Paracatu de Baixo, subdistrito de Mariana, e Gesteira, subdistrito de Barra Longa. Seguindo os mesmos critérios adotados para a escolha do terreno que receberá o novo Bento, a Samarco estudou 24 propriedades e pré-selecionou três para a reconstrução de Paracatu: Joel, Toninho e Lucila.
Os terrenos pré-selecionados para Gesteira foram Macacos e Sr. Clécio, ambos localizados próximos à quadra central do subdistrito, respeitando uma demanda da comunidade. A votação aconteceu no dia 25 de junho de 2016 e o terreno escolhido foi Macacos, com 95% dos votos.
O discurso do prefeito de Mariana, Duarte Júnior, é que a reconstrução do principal subdistrito atingido pela tragédia – Bento Rodrigues – será uma referência nacional em sustentabilidade. Para tanto, as construções contarão com placas solares fotovoltaicas e calhas com sistema de captação de água pluvial; o calçamento será feito com blocos intertravados, evitando assim a impermeabilização do solo. “As pessoas vão passar num local onde aconteceu a maior tragédia do país, mas depois será um local reconstruído de uma forma totalmente autossustentável em relação ao meio ambiente”, projeta o prefeito.
A Samarco anunciou no dia 20 de junho de 2016 que também atuaria na recuperação de espaços rurais atingidos pelo rompimento da barragem. Segundo a empresa, 278 propriedades seriam assistidas pelo Programa de Retomada de Atividades Agropecuárias, previsto no acordo homologado em maio. Equipes técnicas formadas por engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas e zootecnistas fariam análise de solo, preparo e correção de terreno com calcário e adubos, plantio e capina. De acordo com a empresa, o objetivo é oferecer condições para que as propriedades afetadas voltem a produzir como antes da tragédia.
Quem andava pela cidade, na área rural ou urbana, percebia em junho de 2016 a movimentação discreta de carros e funcionários da Samarco. Mas eles não interagiam, não davam informações, não comentavam. A empresa permaneceu blindada desde a tragédia, comunicando-se com a imprensa somente por vias oficiais. Muitas questões continuam sem respostas.
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