Relatório da ONU órgãos prestam contas e se comprometem a dialogar para cumprir recomendações em favor dos povos indígenas
Fonte: Ministério Público Federal - MPF
Foto: Antonio Augusto Secom/PGR
14 DE NOVEMBRO DE 2016
Audiência Pública debateu recomendações das Nações Unidas para combater violações e garantir direitos dos índios
Mais de 400 indígenas de várias regiões do Brasil, entidades e instituições se reuniram no auditório da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, nessa quinta-feira, 10 de novembro, para debater e encontrar formas de cumprir as recomendações da relatora especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas da ONU, Victoria Tauli-Corpuz.
Divulgado em setembro, durante a 33ª Reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o relatório trouxe conclusões preocupantes sobre a atual situação das populações indígenas no Brasil. O documento destaca que esses povos estão mais vulneráveis agora do que em qualquer outro tempo desde a Constituição em 1988.
Durante cerca de nove horas, as instituições citadas no relatório tiveram espaço para apresentar um balanço das ações que têm desenvolvido e o que poderão fazer para garantir o cumprimento das recomendações. Os indígenas também aproveitaram o momento para apresentar reivindicações e expressar o descontentamento com a forma como são tratados pelo governo.
Saúde e educação – A atual situação da saúde indígena é uma das maiores reclamações dos indígenas que protestaram com cartazes, faixas e palavras de ordem contra a tentativa de desmonte do subsistema de saúde indígena.
Para a plateia de indígenas, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, anunciou a criação de um Grupo de Trabalho que vai contar com membros do Ministério da Saúde, das organizações indígenas e dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi), colegiados regionais de controle social e fiscalização da saúde indígena.
“Faremos um debate de qualidade com os Condisis para termos elementos para tomar decisões no sentido de estruturar melhor a saúde indígena. Esse modelo que temos hoje é considerado precário, faremos mudanças com debate e consulta aos povos indígenas”, reforçou. Ele informou que o ministério está “dedicado a fazer um trabalho para resolver” o que foi destacado no relatório.
Na área de educação, a secretária de educação continuada, alfabetização, diversidade e inclusão Ivana de Siqueira admitiu que há muito o que avançar. Segundo o Ministério da Educação, no Brasil há mais de 3 mil escolas indígenas, 93% em terras indígenas, com 285 mil alunos matriculados sendo atendidos por mais de 20 mil professores indígenas. No ensino superior estima-se que há mais de 22 mil alunos indígenas.
Para Ivana, os números mostram o avanço e sinalizou a construção de escolas indígenas e a implantação do ensino médio como desafios a serem enfrentados para melhorar a educação nas comunidades. A secretária enfatizou que o diálogo está aberto e que melhorias têm sido discutidas entre índios e governo nas conferências regionais de educação indígena, com a participação das comunidades e estudantes.
Funai – As recentes propostas de redução do orçamento e de pessoal da Funai foram durante criticadas no relatório de Victoria Tauli-Corpuz, que ressaltou a necessidade de fortalecer o órgão indigenista para possibilitar o Estado de atender suas obrigações legais para com a proteção
dos direitos dos povos indígenas. Nesse sentido, o presidente interino do órgão, Agostinho do Nascimento Netto, admitiu que o orçamento para 2017 é insuficiente, mas que tem conseguido sensibilizar autoridades para a necessidade de reforço orçamentário.
Além disso, atitudes estão sendo tomadas internamente, garantiu Agostinho. “Há um esforço para a otimização das rotinas de trabalho da Funai para que processos de demarcação cheguem a termo com serenidade, sob pena de a situação indefinida do território acabar servindo para mais conflitos”. Ele também garantiu finalização do concurso público para a Funai.
Meio Ambiente – Em nome do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a secretária de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, Juliana Simões, reafirmou o compromisso com todas as recomendações presentes no relatório.
Segundo a secretária, o ministério se compromete a fazer consultas aos povos indígenas para qualquer medida que seja tomada pelo MMA e que os afete, respeitando a Convenção 169 da OIT. Para conciliar situações de sobreposição de terras indígenas e Unidades de Conservação, Juliana projetou que o MMA tem priorizado instrumentos como a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental (PNGATI). “Os povos indígenas são os que mais conservam os recursos naturais no Brasil”, reconheceu.
Demarcação e conflitos agrários- A demora nos processos de demarcação das terras é um dos maiores problemas dos povos indígenas e gatilho para várias outras violações de direitos, segundo relatório da ONU. Atualmente, há aproximadamente 150 terras indígenas em estudo, cerca de 200 reivindicadas, mas sem qualquer providência por parte do Estado para demarcação, e 107 demandas por reestudo (revisão) de área.
Sobrevivente do ataque contra indígenas em agosto desse ano em Caarapó, Mato Grosso do Sul, líder Guarani-Kaiowá Elson Kaiowá pediu mais respeito aos povos indígenas. “Respeitem nossas tradições, não somos problema. Nosso futuro está no nosso tekoha (território)”, alertou.
O procurador da República no Mato Grosso do Sul Marco Antônio Delfino apresentou um histórico de violações cometidas contra os povos indígenas no estado e apontou a necessidade de criação de uma Comissão Nacional da Verdade para investigar o tema.
Nações Unidas – Acompanhando todo o debate, o representante do Escritório de Prevenção ao Genocídio e Responsabilidade de Proteger da ONU, Davide Zaru, informou que levará as informações à relatora especial Victoria Tauli-Corpuz.
Segundo Zaru, o debate revelou que todos os atores estão cientes das dificuldades apresentadas e diagnosticou que a dificuldade está na implementação das soluções. “Meu desejo é que utilizemos 100% do que aprendemos e escutamos nessa audiência. Nós [ONU] não temos varinha mágica, mas vamos nos empenhar para ajudar na solução dos problemas”, informou.
A relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas, Plataforma Dhesca Brasil, Érika Yamada ressaltou que é “preciso transformar o relatório em ações reais e concretas”.
“A nossa responsabilidade é grande, temos o compromisso de levar adiante todos os compromissos assumidos”, projetou o coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, o subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, anfitrião da audiência. "A 6CCR vai realizar o monitoramento da implementação das recomendações por meio dos grupos de trabalho existentes, ou com indicação de relatores temáticos, onde se fizer necessário, e dará continuidade ao diálogo pela efetiva realização, em consulta direta às comunidades indígenas, e às instituições locais", completou.
A íntegra da audiência em vídeo será disponibilizada em breve.
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