Crise climática: compromissos na COP27 precisam ser mais ambiciosos, diz especialista
ONU. Redução das emissões de metano dos setores de combustíveis fósseis, resíduos e agricultura pode contribuir para fechar a lacuna de emissões
Em entrevista para a ONU News, cientista e coautora do Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2022, explica que mais uma vez há uma grande discrepância entre o que os países se comprometem e o que seria necessário; Joana Portugal é professora em planejamento energético na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Joana, no ano passado quando saiu o relatório e nós fizemos uma entrevista, você havia dito que mundo está num caminho de aumento de emissões, quando na verdade deveria estar reduzindo drasticamente. Algo mudou no relatório de 2022?
Relembrando que o Relatório de Lacunas de Emissões, editado e coordenado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, todos os anos avalia as emissões ou as metas políticas que todos os países se comprometem no contexto da Convenção das Partes da COP, denominadas Contribuições Nacionalmente Determinadas, e avalia a diferença entre o que países que estão propostos a implementar para reduzir as suas emissões de gases efeito estufa, ou seja, as promessas de cada país, comparativamente com o que seria necessário se nós quisermos de fato cumprir o Acordo de Paris relativamente à estabilização do aquecimento global até o final do século. Então nós avaliamos aí essa boca de jacaré, essa lacuna que existe entre o que os países se comprometem e implementam versus o que é necessário. Então, mais uma vez, esse ano, no relatório, nós temos uma grande discrepância entre o que os países se comprometem a estabelecer para reduzir as suas emissões versus o que seria necessário. E relativamente às emissões e a avaliação que nós desenvolvemos no ano passado, ou seja, quais foram os avanços e os progressos entre a COP do ano passado e o que está na mesa nas negociações desse ano, nós temos uma redução de emissão de menos de uma gigatonelada, 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, o que é um pouco frustrante, porque por um lado, nós vivemos numa emergência climática que foi, na verdade, e também é condizente com uma crise pandêmica que tivemos no contexto da pandemia e agora uma grande crise energética devido aos conflitos que estamos sentindo na Europa. Então, na verdade, talvez pareça que face a outras emergências que surgiram na humanidade, a questão climática fica um pouquinho posta numa crescente paralela, quando na verdade nós temos tudo uma grande sinergia e uma grande correlação entre todas as crises e emergências que estamos vivendo na atualidade.
O relatório traz alguma informação sobre se há um grupo de países que está fazendo mais e se há um grupo de países que deveriam estar fazendo mais, mas não estão fazendo?
Infelizmente, todos os países deviam estar fazendo mais. Não tem bom aluno aqui. Infelizmente tem, sim, países que estão mais alertas e são mais ambiciosos nas suas medidas. Aí, por exemplo, destaco a União Europeia, que tem programas bastante consolidados de redução das suas emissões, mas que também no curto prazo tem um grande descasamento entre o que é prometido em metas de neutralidade climática até meio do século e com as medidas que são agora implementadas nos próximos cinco, 10 anos. E o que nós mostramos no relatório e que nós temos que reduzir as emissões em ordem de 50% na próxima década para atingir uma realidade climática até o final do século. Então, em face da crise energética que estamos vivendo nesse momento na Europa, alguns Estados-membros, na verdade, recuaram, não recuaram, mas atrasaram, digamos assim. Refletiram e considerando a emergência energética que estão vivendo agora, sobretudo o inverno severo do continente europeu, atrasaram um pouco as medidas ambiciosas que tinham anunciado. Então, nesse momento nós vivemos um impasse, não é? Quando eu me referi a uma série de crises, condizentes em paralelo. E a questão climática não avançou tanto quanto nós desejaríamos. As Contribuições Nacionalmente Determinadas do Brasil, propostas em 2015 e ratificadas em 2016, propunham uma meta de emissão CO2 em 2030 de 1,2 bilhões de toneladas. Este valor foi revisto em alta em 2020 para 1,62 GtCO2e. Agora na COP27, a proposta é de 1,28GtCO2e, ainda bem acima do que foi proposto em 2015. Enquanto outros países da G20 têm emissões negativas de uso do solo, isto é, estão sequestrando mais CO2 do que emitindo, o Brasil e a Indonésia são os únicos países do G20 que têm emissões de uso do solo devido à redução da sua área florestal por desmatamento.
E quais seriam os impactos para a humanidade dessa lenta redução?
Bom, se nós adotarmos então, e não avançarmos, que eu não acredito nisso, acredito sim que vamos avançar positivamente. Mas assumindo que nós congelamos as metas anunciadas antes da COP27, e as mantivermos assim até o final do século, nós teríamos um aquecimento global da ordem de 2,8 a 3 graus Celsius acima de níveis pré-industriais. E isso, enfim, tem consequências e impactos ambientais e climáticos que na verdade, ainda não são do conhecimento da ciência, que nós estamos praticamente beirando o nível de um 1,5 grau e em todo o planeta nós já sabemos que estamos sofrendo impactos e aumentando a nossa vulnerabilidade face a esses eventos extremos. Com um aumento da temperatura e o aquecimento global, nós temos impactos irreversíveis, possivelmente, e que a resposta ainda não se tem. A ciência não tem resposta para dar.
Esse relatório todo ano traz uma novidade. Você tinha falado isso no ano passado. Qual é a novidade esse ano?
Bom, esse ano nós trabalhamos muito a fundo a questão de segurança alimentar e de sistemas alimentares. Assim também como quais são as condições necessárias para nós aumentamos a nossa ambição climática, relativamente à capacidade tecnológica, relativamente a fundos financeiros e investimento em tecnologias de baixo carbono. Então, relativamente a sistemas alimentares, nós na verdade avaliamos qual a contribuição das nossas dietas e do que nós consumimos nosso sistema agrícola e pecuário para mudança climática. Averiguamos também quais são as estratégias que podem reduzir a contribuição do setor para o clima e avaliamos também quais são os pontos necessários do ponto de vista de mudança comportamental, e de redução de consumo de alimentos hiper carbônicos, maioritariamente de origem animal. E como nós podemos garantir simultaneamente uma sustentabilidade climática e de saúde pública, melhorando e refletindo sobre as nossas dietas.
No próximo mês, acontece no Egito a Conferência da ONU sobre Mudança Climática, a COP27. Baseado nesse relatório, o que devemos esperar dos líderes mundiais?
Esse relatório, na verdade, é um insumo essencial para apoiar os decisores políticos. Ou seja, nós avaliamos que o que está nesse momento posto em cima da mesa, sobre a redução de emissões e ambição das partes, não é suficiente para cumprir o acordo que foi ratificado e assinado por esses países em 2015. Então é essencial e se espera que na COP 27 todas as partes, principalmente os países do G20, que são os maiores contribuidores para a emissão de gases de efeito estufa, na verdade, aumentem a sua ambição e aumentem a implementação de estratégias de baixo carbono em seus próprios países.
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