Autor: Camila Costa
Fonte: http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/cerrado-o-bioma-mais-amea%C3%A7ado-do-pa%C3%ADs
Os troncos tortos, cobertos por uma cortiça grossa, com folhas grandes e rígidas denunciam o bioma: esse é o Cerrado. As árvores são peculiares, assim como a paisagem, quase toda montada por extensas formações savânicas. Importante socialmente, o Cerrado é meio de sobrevivência para famílias de agricultores, diversas comunidades e povos: alimentação, artesanato, remédio. Juntos, homem e meio ambiente, fazem parte do Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro. Riquezas reconhecidas, mas também ameaçadas. "Temos que nos preocupar que daqui a pouco o Cerrado só terá soja e cidades", afirma Isabel Benedetti Figueiredo, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
A fauna e a flora, que conferem o título de savana mais biodiversa do mundo ao Cerrado, o tornam também o bioma o mais ameaçado do país. Estudos desenvolvidos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apontam que, entre 2002 e 2008, o Cerrado teve uma média de desmatamento anual equivalente a 14.200 km² devastados. Entre 2010 e 2011, a taxa de desmatamento foi de 6.469 km², semelhante à da Amazônia, que foi de 6.451 km².
Os motivos para este quadro preocupante estão relacionados à expansão do agronegócio e ao uso predatório do solo. O MMA aponta a lavoura, em especial a produção de grãos como a soja, e a pecuária como as principais atividades responsáveis por essa devastação. Para se ter uma dimensão do problema, 54 milhões de hectares de Cerrado deram lugar a pastagens e 22 milhões estão ocupados por plantações de grãos. Outra monocultura que ameaça a vida no Cerrado é o eucalipto. Essa espécie tem crescimento rápido e, devido ao grande consumo de água, leva ao secamento de nascentes e à exaustão dos mananciais.
Na cidade mineira de Turmalina, no Vale do Jequitinhonha, a monocultura do eucalipto, desde a década de 70, transformou a região na maior floresta plantada contínua de eucaliptos da América Latina. Por não ser uma planta típica do Cerrado, que demanda mais água, o crescimento expressivo dessa plantação de então levou para o Vale do Jequitinhonha um problema que assola não mais apenas uma região ou outra, mas todo o Brasil: a falta de água. Fundado em 1994 em Turmalina, o Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (Cavi), dirigido exclusivamente por agricultores familiares, tem feito esforço para reverter essa realidade em quatro municípios da região.
A associação trabalha com incentivo a projetos sustentáveis dos agricultores, com assessoria produtiva para a comercialização dos produtores na feira livre da região e com projetos próprios de sustentabilidade. Hoje, são basicamente quatro eixos: acesso e gestão da água; produção agroecológica; empreendimento solidário e empoderamento das mulheres do campo. Entre os projetos desenvolvidos por lá com uso da tecnologia, estão a construção de três tipos de áreas para a recuperação das áreas degradadas.
A barraginha é um reservatório para acumular água. As bacias são espaços construídos por máquinas para facilitar a infiltração da água no solo, aliadas aos terraços suspensos, que também infiltram água da enxurrada. "Isso ajuda nas áreas das nascentes, que voltam a correr água, porque o lençol freático no local fica mais aflorado", explica Sueli Gomes Fernandes, engenheira agrônoma do Cavi.
O presidente do Cavi, João Domingos, diz que é agricultor desde os 8 ou 9 anos de idade. Viu os avós e os pais trabalharem no campo. Ele conta que na época o comportamento era inverso. "Onde tinha nascente, que era muito molhado, a gente abria uma vala para plantar do lado. Hoje, a gente faz totalmente diferente. O pensamento é plantar, mas preservar. Precisamos do meio ambiente para continuar vivendo. Foi uma mudança de consciência mesmo. Que mundo vou deixar quando sair daqui?", pondera João.
O trabalho do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) é justamente incentivar ações como a do Cavi. Um fundo de pequenos projetos e de apoio às comunidades de base, tradicionais, para gerar conservação e melhoria da qualidade de vida há 23 anos. Um dos produtos do instituto é o portal Cerratinga, um projeto com o objetivo de oferecer informação sobre o Cerrado e a Caatinga. De um jeito bonito e acessível, voltado para o público urbano. Quem não sabe o que é Mangaba, por exemplo, visita o site e descobre. "É uma árvore. Fica sabendo como é, quando dá fruto, onde nasce, vê foto, descobre quem tem contato. Ou seja, é uma cadeia no sentido de que quanto mais as pessoas conhecem, mais elas se apropriam e mais protegem e conservam", explica Isabel.
Até hoje, foram mais 500 comunidades apoiadas em projetos de comportamentos mais cuidadosos com o meio ambiente, com o objetivo de disseminar boas práticas, aprimorar formas de manejo e fomentar pesquisas que embasem atitudes sustentáveis que as comunidades já fazem.
De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no bioma Cerrado existem 58 unidades de conservação.
Slow Food
Segundo especialistas em meio ambiente, o avanço da fronteira agrícola se dá de forma rápida e desordenada no Cerrado. O trabalho do movimento Slow Food é para preservar. Conservação voltada para os alimentos que estão ameaçados, e permitir que eles continuem na mesa do brasileiro. No Cerrado, o pequi e a castanha-de-baru estão na lista da Arca do Gosto, projeto idealizado pelo movimento Slow Food e feito em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina e com a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead).
A intenção é catalogar as iguarias que correm risco de sumir de vez. O projeto é o primeiro passo da iniciativa Alimentos Bons, Limpos e Justos, que visa incentivar o olhar sustentável e voltado para a saúde quando o assunto é o que colocamos em nosso prato.
Iguarias
Pequi
Nas brincadeiras, dizem que ou você ama ou odeia. Sabor marcante e peculiar. Pode ser consumido cozido, puro ou misturado com arroz e frango. Da polpa também é possível extrair o azeite de pequi, óleo bastante utilizado para condimento e na fabricação de licores. A castanha que fica dentro do caroço do fruto pode ser consumida in natura ou utilizada como ingrediente na preparação de pratos salgados, doces e pães.
Castanha de Baru
Também conhecida como cumari, feijão-baru, cumbaru, imburana-brava, barujo. Gosto semelhante ao do amendoim. Atualmente, tem sido muito indicada por profissionais da área de saúde por ser uma importante fonte de proteína, rica em vitaminas, minerais e outros nutrientes. Tem fama de afrodisíaca. Pode ser consumida como a tradicional castanha, em óleos e no preparo de pratos diversos, mas não é indicada para consumo ainda crua. Pode ser também ingrediente de molhos, saladas, bolos e paçocas.
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