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News & Events Na Venezuela, comuna de camponeses enfrenta guerra econômica por meio da agroecologia
Na Venezuela, comuna de camponeses enfrenta guerra econômica por meio da agroecologia
Na Venezuela, comuna de camponeses enfrenta guerra econômica por meio da agroecologia
Michele de Mello
Michele de Mello
A família da agricultora Arlenys Colmenares trabalha em uma das 3120 comunas registradas na Venezuela / Michele de Mello
 
Por Michele de Mello 
 
Caracas é uma cidade contornada por montanhas, que, por detrás de si, podem esconder de tudo. Há praias caribenhas, uma colônia alemã e também o caminho para chegar ao conselho comunal Campesino Hugo Chávez, na altura do km 23 da estrada de El Junquito.
 
Nessa área de 17 hectares localizada entre o Distrito Capital e o estado Vargas, vivem 21 famílias produzindo todo tipo de hortaliças, além de porcos e coelhos, tudo na base da autogestão.
 
Arlenys Colmenares, agricultora e membro do conselho comunal, não nega, a vida no campo é melhor. “Tem sido uma experiência muito bonita. Eu digo que a nossa vida mudou completamente. Tudo, tudo mudou, porque aprendemos a valorizar a terra e o que ela nos dá como seu fruto”, relata.
 
Natural de um pequeno povoado da zona costeira do estado de Vargas, Alrenys era comerciante e chegou em El Junquito convidada pela tia para passar o final da semana nas terras que eles arrendavam. Desde aquele dia, já se passaram 13 anos. Arlenys nunca voltou ao antigo lar. Pelo contrário, trouxe os familiares para morar e produzir junto.
 
Hoje, a família de Arlenys faz parte de um dos cinco conselhos comunais da região que buscam ser reconhecidos como comuna.
 
Sabotagens e reconhecimento
 
Numa região historicamente opositora, todo tipo de sabotagem a esta organização coletiva tem sido utilizada. Segundo a agricultora, há pessoas de oposição dentro dos conselhos comunais que impedem o avanço do debate político, mas se aproximam para ter acesso a programas sociais, como o recebimento das cestas básicas CLAP (Comitês Locais de Abastecimento e Produção).
 
As terras da comuna foram recuperadas pelos agricultores. Os tios de Arlenys trabalhavam nas terras arrendadas para seu patrão. Depois de dois anos, autoridades do Instituto Nacional de Terras (Inti) apareceram com uma ordem de despejo, já que o terreno estava hipotecado.
 
Primeiro, o Estado vendeu as terras para uma empresa chamada Maricela, que impediu que a família Colmenares mantivesse seu cultivo. Depois de um ano, o terreno voltou a ser vendido, mas para uma empresa pública, a Lácteos del Alba. Arlenys e seus familiares foram  então contratados e aprenderam o manejo de gado, a produção de queijo e laticínios.
 
Só três anos depois, quando a empresa estatal também enfrentou dificuldades financeiras, os agricultores conseguiram criar o conselho comunal Campesino Hugo Chávez e conquistar o direito de posse das terras, garantido pelo Inti.
 
“A ideia é que o projeto seja autossustentável, que nós não dependamos do Estado, senão de nós mesmos. Apesar das dificuldades, porque não tem sido fácil. Primeiro pela formação, porque por mais que fôssemos camponeses e aprendemos de outros agricultores, a formação também é importante”, afirma a pequena agricultora.
 
A vida na comuna
 
São cerca de 100 pessoas, que podem chegar a produzir cerca de três toneladas de alimentos mensais. Principalmente vegetais: cebolinha, coentro, espinafre, alho poró, alface, pimentão, beterraba, cenoura, milho, brócolis e repolho. Ah e tudo agroecológico.
 
“A gente foi investigando sobre o veneno e a química… e isso é daninho. A única coisa que usamos é fumaça e minhocas. E alguma armadilha com sabão, mas só para as pragas. É outra coisa você comer o que está semeando. Você sabe que você está preparando o que você plantou, não foi nada que comprou por aí, no mercado, foi feito por você. E você está comendo saudável.”, explica o irmão de Arlenys, Alexis Colmenares, que vive há oito anos no conselho comunal Campesino Hugo Chávez.
 
Para tentar impedir a contaminação do plantio, pequenas muretas separam a produção comunal das propriedades privadas vizinhas. Esse foi um dos aprendizados em oficinas sobre produção agroecológica com militantes da Brigada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Venezuela.
 
Há cerca de quatro anos, os militantes do MST lhes ensinaram a produzir as sementes que agora utilizam para a produção de boa parte das suas hortaliças. Também foram os que consertaram a bomba de água usada para irrigar a plantação, que desde então, nunca deixou de funcionar.
 
Para Arlenys essa é mais uma prova de que só o trabalho solidário e coletivo poderá ajudar a economia do país.
 
“O trabalho coletivo não tem sido fácil, mas aprendemos muito disso. De um se apoiar no outro, de fazer algo em conjunto. Essa é a importância e o bonito do conselho comunal e da comuna”, conta Arlenys Colmenares.
 
Um sonho, uma grande rede comunal
 
As comunas são formadas por uma associação de conselhos comunais, preservando a organização popular, territorial e produtiva, que tem como modelo econômico o bem comum e a propriedade comum, inspiradas nos ideais comunistas.
 
Atualmente, existem 3120 comunas e cerca de 48 mil conselhos comunais registrados na Venezuela. A ministra do Poder Popular para as Comunas, Blanca Eekhout reconhece a necessidade de maior articulação entre poder público e comunidades.
 
“Às vezes o próprio Estado dispersa as forças populares. Ainda que exista uma produção comunal, não existe um PIB comunal. O Estado não assumiu essa força e não a reconhece. Não pudemos nesse ministério fazer um mapa do desenvolvimento da produção do nosso povo”, afirma a ministra.
 
A falta dessa estrutura gera falhas no processo, que são agudizadas com o bloqueio econômico. No caso do conselho comunal Hugo Chávez, pela falta de transporte, os agricultores acabam vendendo boa parte da sua produção para intermediários, que nem sempre oferecem as hortaliças a preços acessíveis na cidade.
 
Por driblar essa especulação com os preços, os agricultores novamente têm buscado alternativas.
 
Há cerca de cinco anos, participavam de um projeto chamado "Do Campo se Cozinha", que consistia na venda de bolsas de vegetais a baixo custo, mas com a diminuição da produção, provocada pela crise, não puderam manter o projeto.
 
“O bloqueio impede o povo de acessar o que ele mesmo produziu. Temos que chegar a uma fase de organização para a união de forças de organização do território que nos permita avançar na batalha produtiva”, afirma Eekhout.
 
As mazelas do bloqueio econômico
 
Além da pressão dos entes privados, que muitas vezes, chegam antes que o Estado ao produtor do campo, as sanções econômicas geram prejuízos reais para os pequenos agricultores.
 
“Antes tínhamos muitos animais e nossa criação caiu muito pela falta de alimentos, de vitaminas. A plantação também diminuiu pela falta de insumos. Tínhamos um trator que estragou e para nós foi impossível comprar as peças de reposição, o que também afetou bastante nossa produção”, conta Arlenys, enquanto mostra as estruturas de criação de gado vazias.
 
A ministra de Comunas defende que o Plano Produtivo da Ofensiva Comunal se refletirá em ações do seu gabinete para estimular experiências que já existem, como mercado de troca-troca, feiras e criar um marco jurídico novo, que se adapte às demandas do sistema de auto governo.
 
Agora, os comuneiros de El Junquito estão participando da Feira Conuqueira, que reúne 70 pequenos produtores locais baseados na agroecologia, em um mercado a céu aberto, nos primeiros sábados de todo mês. A feira ocorre no parque Los Caobos, região central de Caracas.
 
Outro objetivo é conseguir uma estrutura emprestada para montar um posto fixo nessa mesma zona da capital, ampliando a comercialização para todos os fins de semana e reduzindo a dependência de atravessadores.
 
Comuna ou nada
 
Na última semana, o presidente Nicolás Maduro convocou seu gabinete de ministros a dar início ao chamado Plano Produtivo de Ofensiva Comunal 2019, como uma resposta à guerra econômica. A ministra Eekhout afirma que esse Plano se refletirá em ações que estimulem experiências que já existem, como mercado de troca-troca, feiras e a criar uma legislação nova, que se adapte às demandas do sistema de autogoverno. Para isso também trabalham os comuneiros que são deputados na Assembleia Nacional Constituinte (ANC).
 
É a agricultura familiar que abastece a mesa dos venezuelanos. Apesar da existência de grandes monopólios como as Empresas Polar, que dominam 18% do empacotamento e distribuição de alimentos da cesta básica familiar no país, a maior parte da matéria-prima, assegura a ministra, vem de Empresas de Produção Social, Unidades de Produção Familiar e cooperativas.
 
Na cidade de Tucaní, estado Mérida, as comunas produzem o café e cacau que estão circulando na comunidade, abastecem o Programa de Alimentação Escolar e chegam às caixas CLAP.
 
Outro exemplo citado é a Comuna El Maizal, no estado Lara, que abastece a comunidade e as escolas da região. “Eles têm a oportunidade de fazer governo no seu território”, garante Ekhout.
 
Para Alexis Colmenares, uma “forcinha” do Estado é fundamental, mas o crescimento das comunas depende também da disposição dos venezuelanos. “Muitas pessoas que se foram do campo agora voltam. Voltam porque sabem que a vida é melhor e menos custosa. Acho que falta mais consciência das próprias pessoas. Aqui é necessário também que as pessoas se esforcem, dediquem-se. Se tem um terreno, algo, que plantem. E que o governo chegue mais até nós, não por intermediários, mas que seja pela comuna, pelo conselho comunal, que cheguem diretamente à terra”, argumenta.
 
O pequeno agricultor também se queixa da burocracia e cobra a presença das autoridades nas comunas e pequenas unidades. “Sem tanta ‘papelada’, que cheguem e vejam as problemáticas. Esse lugar aqui, por exemplo, é produtivo, mas está difícil para conseguir as sementes e mesmo assim nós temos produzimos sementes e temos nosso cultivo.”
 
O capitalismo como algoz
 
Uma das medidas adotadas, como parte das alternativas à escassez do dinheiro em efetivo e a desvalorização da moeda foram os Bancos Comunais. Os trabalhadores criaram uma moeda social, que seria um novo equivalente comum para manter o intercâmbio da sua produção. Existem cerca de 1500 bancos comunais, no entanto só a metade está ativa.
 
Para a ministra, um dos motivos para que as comunas não avancem são as contradições da construção de uma sociedade socialista em cima de pilares muito presentes da sociedade capitalista.
 
“Uma das prisões mais antigas que possuímos desde a época de colônia é o monopólio. Não existirá soberania alimentar e economia soberana se o poder monopólico, vinculado às transnacionais, segue sendo hegemônico. É a pressão dessa guerra, que nos obriga a transformar o modelo e avançar na construção de um novo circuito econômico comunal”, defende.
 
Por isso, que para a maioria, Chávez segue atual. Uma das últimas orientações do comandante ‘Comuna ou Nada’ – pronunciada durante o discurso o Golpe de Timón, em 2012, no qual apresentava críticas ao desenvolvimento da Revolução Bolivariana – continua sendo o caminho.
 
“Devemos ter união para enfrentar todas as batalhas que aparecem. Por que sozinho a gente não constrói, a gente constrói é com uma massa de pessoas, com seu grupo familiar, de amigos que a gente constrói. E assim, juntos, podemos levar qualquer coisa adiante, combater quem seja. Quem for que venha tirar a nossa tranquilidade e paz”, defende Arlenys Colmenares.
 
A ministra Blanca Eekhout confirma. “É o povo que está assumindo a propriedade dos meios de produção no seu território e é uma tarefa enorme, porque passa por romper com todos os esquemas que tivemos até agora. Só na invenção poderá estar o acerto, já não podemos copiar modelos, já não podemos acreditar que com o modelo velho poderemos responder a essa guerra econômica e é justamente esse poder criativo do povo é que está fazendo frente a essa guerra”, conclui.
 
Edição: Rodrigo Chagas
Matéria originalmente publicada em Brasil de Fato