Autor: Sílvia Helena Galvão de Miranda
O setor agropecuário ainda aparece tímido nas discussões sobre as implicações do Acordo de Paris, embora já venha assimilando medidas mitigadoras de emissões, inclusive por iniciativa própria dos agricultores, por exemplo, ao adotar o plantio direto. Ao mesmo tempo, parcela significativa das emissões a serem reduzidas são originadas de atividades agropecuárias e os compromissos assumidos pelo Brasil naquele fórum impõem a adoção de medidas para mitigação das emissões.
Na última década, pelos dados do Sirene (Sistema de Registro Nacional de Emissões)/MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), houve redução significativa de emissões totais, principalmente pela evolução descendente no componente de mudança do uso de solo e florestas que, em 2001, era de 1.261.220 Gg de CO2 equivalente GWP¹ e caiu, em 2010, para 349.176. A composição das emissões brasileiras evidencia que a agropecuária foi, em média, nessa década, a segunda fonte mais importante de contribuição para as emissões de gases de efeito estufa (GEE), alcançando, em 2010, segundo esses dados oficiais, 407.072 Gg de CO2 equivalente GWP.
Nesse componente de emissões pelo setor agropecuário, destaca-se o papel das atividades de pecuária bovina, principalmente a de corte. Quando se fala em emissões pelo setor agropecuário, em 2010, 57,6% eram decorrentes da fermentação entérica dos animais, seguidas pelas emissões dos solos agrícolas, com 34,5%, manejo de dejetos animais, com 4,3%, cultivo de arroz (devido à irrigação por inundação), com 2,4% e 1,3% da queima de resíduos agrícolas.
Como já mencionado, contudo, parte do setor agropecuário vem, há vários anos, adotando técnicas e formas de manejo que auxiliam, de modo geral, a gerir melhor os recursos naturais e, mais especificamente, a reduzir as emissões. Pode-se citar, por exemplo, a expansão do uso do cultivo mínimo e do plantio direto, sendo que este, além de reduzir o número de operações no preparo do solo, também diminui o uso de fertilizantes e de defensivos agrícolas.
Outro exemplo interessante é o do avanço no manejo de dejetos, dentre os quais se destaca o caso da suinocultura, que tem, também pela imposição da Resolução Conama n. 237/1997, favorecido a redução das emissões de gás metano há alguns anos. Outras estratégias de manejo cuja presença vem aumentando no Brasil também já contribuem para que o aumento da produção ocorra em moldes menos intensivos em emissões, como é o caso do sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e a inoculação de bactérias fixadoras de nitrogênio no plantio da soja, o que reduz a necessidade da adubação nitrogenada.
Nesse contexto de mudanças e avanços tecnológicos, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Social (MDAS), a partir de 2009, coordenam e executam, em parceria com outros órgãos do governo federal, o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura, ou, como vem sendo chamado, Plano ABC, fundamentado na lei n. 12.187/2009 e instituído no decreto n. 7.390/2010. Este Plano prevê ações para incentivar os produtores a absorverem tecnologias sustentáveis de produção, que têm potencial de contribuir para os compromissos brasileiros de redução de emissões de GEE no setor agropecuário.
Ao se discutir opções de mitigação para os setores emissores de GEE, como propõe o Acordo de Paris, pode-se ressaltar que o setor agropecuário, embora tímido na internalização das discussões sobre estes objetivos, já vem se movendo em direção a um modelo mais sustentável estimulado por esse Plano e seus programas. Algumas das ações propostas, como a recuperação de pastagens, claramente beneficiam o produtor rural, já que permitem obter produtividade mais alta na pecuária, reduzindo a idade de abate dos animais, propiciando não só vantagens ambientais, mas melhor sustentabilidade econômica para a pecuária.
Dentre as metas estabelecidas para 2020 pelo Plano ABC, não só para sua adoção, mas também para a redução de emissões, destacam-se: a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas; o incremento de 4 milhões de hectares com Integração Lavoura-Pecuária-Floresta; expansão de 8 milhões de hectares em plantio direto e 5,5 milhões de hectares com fixação biológica de nitrogênio; aumento de 3 milhões de hectares de florestas plantadas e de 4,4 milhões de m3 de dejetos tratados.
A implementação do Plano ABC ainda é desafiada por entraves operacionais e é preciso avaliar, de fato, todo o percurso entre a liberação do crédito pelo governo federal, passando pela etapa de apresentação de projeto técnico, operacionalização dentro do sistema bancário e, finalmente, identificar se os produtores mais necessitados estão sendo alcançados pelo Plano. Desde o seu lançamento até o último ano, é certo que houve avanços relevantes, não somente no montante desembolsado pelos programas, que saltou de R$ 1,6 bilhão na safra 2011/12, segundo o Observatório ABC, para R$ 3,7 bilhões na safra 2014/15 (embora caindo para R$ 2 bilhões em 2015/16), mas também no maior e melhor alcance setorial. De fato, em meio à necessidade de avançar no debate sobre opções de mitigação das emissões, este Plano é relevante contribuição do setor agropecuário.
Apesar de a questão ambiental suscitar sempre a preocupação do produtor rural com potenciais elevações de seu custo de produção sem haver compensação na receita, a pecuária bovina pode se beneficiar muito com a consecução das metas de melhoria das pastagens e com a redução da idade dos animais para abate. A melhoria das pastagens deve permitir uma taxa de lotação maior, além do alcance dos objetivos de redução da degradação ambiental, contribuindo, assim como outras medidas, para que os animais sejam abatidos mais novos. Nessas condições, a produção de proteína animal deverá aumentar no médio prazo, por meio de processo que permitirá reduzir as emissões por tonelada de carne produzida.
É claro que há muitos outros componentes a serem inseridos nesta discussão, mas parece haver, de fato, uma gama de medidas que podem ser incentivadas na agropecuária brasileira e que não acarretariam custos elevados no curto e médio prazos, quando comparadas a outras medidas de intervenção clássica da política ambiental, como as que se discutem para os demais setores emissores (energia, transporte, indústria). Tal discussão deve levar em consideração, ainda, que há projeções de médio e longo prazos de aumento da produção e exportação brasileira de produtos agropecuários ou derivados de suas matérias-primas.
É certo, também, que o momento de crise deixa em segundo plano temas estruturais não só para este setor, mas nos demais da economia. As experiências internacionais de intervenção para redução de GEE no setor agropecuário ainda não são tão numerosas quanto aquelas identificadas para os setores industriais e de energia, à exceção do setor florestal, que se mostra mais amadurecido nesse debate. É certo, também, que a matriz energética brasileira com alta participação da biomassa também já reflete uma contribuição adicional do setor, na interface com a política energética e de combustíveis. Porém, não é possível permanecer alijado da discussão que se inicia e que, após o momento de crise, tende a ser retomada com ênfase. A agropecuária, mais do que uma visão de passivo ambiental nas emissões, pode e deve ser vista como uma fonte rica de possibilidades de mitigação, em processos que podem ser “ganha-ganha” para o negócio agropecuário e para o ambiente.